Dançar é um ritual de beleza.
Quando a música libera a alma,
mente e corpo flutuam
em movimentos
que parecem reverências.
Na dança de olhares,
em ardentes cadências
corpos estremecem.
E a arte em ritmo de poesia,
como uma segunda pele,
estica, aperta, molda, reveste;
os braços que enlevam
revelam no passo final,
sem ruptura,
de dois apenas um,
como uma bela escultura.
II
Um ritual pré-histórico,
sem recursos ou instrumentos sonoros,
corpos em movimento, não por indução
de uma melodiosa canção,
mas pela imaginação ou sensação causadas
pelas batidas dos pés, das mãos e do coração;
do corpo, apenas braços e pernas como extensão,
para, através deles, expressar tudo o que
a linguagem insuficiente e rudimentar
não conseguia do significado alcançar.
Surgiram, assim, neste esforço
de se fazer entender, como num teatro amador,
as primeiras pantomimas da comunicação.
São registros desenhados nos entalhes
simplórios, mas muito ricos em detalhes
gravados, encravados como quadros nas paredes
das cavernas dos nossos ancestrais,
para que, em outras eras, fossem as memórias
dos gestos, movimentos e expressões faciais;
os traços de uma civilização: suas histórias.
III
Pagã, mitológica, religiosa, mística, gnóstica...
Foram surgindo ao longo do tempo
diversidades de culturas criadas pelos povos,
para atrair saúde, sabedoria, alimento...
Ao chefe das tribos cabia
zelar pelo povo, cultivando a alegria;
e quão bela era a nação reunida,
enfeitada com adornos e pinturas,
na execução da arte também pela vida.
Em cultos de adoração, fé e medo,
astros-deuses como o sol e a lua
detinham da dança sagrada o segredo
de fazer chover e do mal proteger,
gerando homens fortes para a guerra vencer.
Dos céus vieram também outros deuses,
que a mitologia estendeu para a terra e o mar
Criando outras artes tão belas, embora nenhuma delas
superasse a arte de dançar;
tanto que até a bíblia discorre sobre um
jovem galileu, que dançava alegremente
numa festa, nas bodas de um amigo seu.
IV
E como a dança, a arte avança. Em pares ou em rodas
encadeadas como um grande balé ainda em originalidade.
Do teatro aos salões, a nobre coreografia, ao som de
O Lago dos Cisnes e O Quebra Nozes, de Tchaikovsky,
os braços se abraçam e os pés, em ritmo constante,
deslizam na metalinguagem do baile em suaves voltas.
A valsa oficia a primeira dança da jovem debutante
e sacramenta no casamento o elo que simboliza a união.
Por isso, é sempre contemporânea, simultânea, eterna.
Fenômeno social sempre em evolução,
é o ritmo da música que dá força e expressão
à coreografia, do grego koreos (dança) e grafia (escrita),
que faz o dançarino delinear o espaço com o corpo
e, à sua maneira, comunicar-se com o som.
Sentir, escutar, deixar-se levar pelas sensações, emoções...
Dançando, imitando, revelando fatos em atos,
representando em cada dança uma prática cultural.
E nesta fusão da arte com o homem,
abstrato e concreto, num jogo personificado,
completam-se na suave beleza do bailado.
Raquel Santos